sexta-feira, 13 de maio de 2011

João Moreira Salles - intelectual botafoguense

Veja – Isso porque você é tímido?Salles – Tenho grande pudor de me expor e não me sinto bem em multidões. Fico meio desnorteado, meio tonto. Isso só não funciona em estádios de futebol. Meu carro vai sozinho ao Maracanã. Lá eu me transformo: grito, xingo, fico irreconhecível. Sou botafoguense de alma, é uma opção quase existencial.

Veja – Não tem algum exagero nisso?
Salles –
Não. O Botafogo é certamente uma das coisas mais importantes da minha vida. Decidi ser botafoguense aos 20 anos. É um time muito peculiar, porque não é como o Flamengo – essa coisa exuberante, vitoriosa, unânime. O Botafogo tem pouquíssimos torcedores, todos melancólicos, meio desalentados, uma gente que vai para ver o time perder, não para vê-lo ganhar. É um time que nunca dá muito certo, está sempre na contramão… É a minha cara. Não tem nada mais igual a mim que o Botafogo.

2 – Entrevista no programa de Juca Kfouri na ESPN:

“Quando o Botafogo ganha, a alegria vem com uma intensidade muito maior do que a dos outros times. Foi assim em 1989, quando o Rio viveu uma explosão de alegria que só se compara, em intensidade, à tristeza com a perda da Copa de 1982.”

É fácil torcer pelo flamengo, pertencer à maioria. Ser Botafogo, não: desde a escola, é uma afirmação de identidade. Significa ter opinião própria, não seguir a moda. Por isso, acho que o torcedor do Botafogo é um torcedor de fibra moral. Ser botafoguense te ensina muitas coisas a respeito da vida”

“Eu não quero que o flamengo morra, não. Mas eu quero que o flamengo perca”

“Fiquei feliz quando o fluminense perdeu a Libertadores. Se eles ganhassem, seria como o rapaz que sempre cortejou uma moça, mas nunca teve chance de casar com ela, porque ela nunca te deu muita bola. Aí de repente o seu vizinho consegue namorar e noivar com ela, está prestes a casar. Lógico que, nesse caso, você prefere que ela case com um estrangeiro, que vem do Equador para levá-la, do que com o cara que está do seu lado e vai ficá-la exibindo o tempo inteiro”

“Gosto de muitas coisas na vida. Mas, das coisas que eu gosto muito, a que eu mais gosto é o Botafogo”

3 – Prefácio do Livro do Sérgio Augusto (Botafogo entre o céu e o inferno)

”Torcer por time de massa é como ler apenas best-seller”. Meu padrinho literário Sérgio Augusto leu muita coisa – e felizmente pouquíssimos best-sellers

Um torcedor diferente porque, ao longo da história, construiu uma relação muito especial com o sofrimento. Quando ouve um rubro-negro queixa-se da dor de não conquistar um título nacional desde os tempos de Júnior, um tricolor desfilar seu rosário de rebaixamentos consecutivos até a terceira divisão e um vascaíno comentar o suplício de torcer por um clube governado por um déspota, o botafoguense deixa escapar um sorriso de superioridade e fala baixinho, como que para si mesmo: ”vinte e um anos…”. Pois é. Sofrimento é uma coisa, mas vinte e um anos sem títulos é algo que desafia os limites da fé

4 – Em conversa com roteiristas da emissora Globo:

Projac, Centro de Produção da Rede Globo, Rio de Janeiro. O cineasta João Moreira Salles conversa com roteiristas da emissora. Lá pelas tantas, um ouvinte pergunta porquê seus documentários são tão melancólicos. A observação o intriga um pouco. Depois de pensar um pouco, diz não ter nenhuma grande crença ou paixão. “Acredito mesmo é no Botafogo”, encerra a discussão.

5 – Fragmentos (pesquisa aleatória)

O cineasta considera que o interessante de uma equipa que não ganha sempre é que quando ganha tem a sensação que jamais algum flamenguista terá: – “A gente não banaliza a vitória; a vitória é uma coisa muito rara – e, quando ela acontece, eu duvido que alguém sinta a alegria de um botafoguense. A felicidade que eu senti quando o Botafogo foi campeão em 89, depois de 21 anos, eu duvido que algum torcedor de futebol sinta igual. Isso justifica minha paixão pelo time pelo resto da vida, mesmo que ele nunca mais ganhe nada.”

Salles conta a história referindo-se a um jogo no Caio Martins, o qual, supostamente, o Botafogo ganhava ao São Paulo por 4×0 e o marcador passou a 4×1. Mas, observando-se os resultados daquele ano, esse jogo deve ter sido contra o paulista Guarani, ao qual ganhávamos por 3×0 quando eles diminuíram para 3×1. Conta Salles: – “Quando deu mais ou menos 31 minutos do segundo tempo, o São Paulo, numa falha da nossa defesa, fez 4 a 1. Do meu lado, um pai falou: ‘Meu filho, acabou!`. O filho começou a chorar, o pai começou a bater no alambrado, dizendo: `Eu não agüento mais esse time, isso aqui é um horror, eu vou abandonar o estádio!`. E o que é mais estranho é que ninguém achou isso estranho. Todo mundo começou a reclamar, achando que o Apocalipse estava ali e que, em mais dez minutos, o São Paulo viraria o jogo. É claro que acabou 4 a 1, mas isso é típico do botafoguense. E isso é o que eu acho interessante.”

Como todos, ou quase todos, nós sabemos, João Moreira Salles é Botafogo. Depois de Botafogo é cineasta, diretor de Notícias de uma Guerra Particular (1999) e da série de TV “Futebol” (1998) entre tantos outros trabalhos.

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