sexta-feira, 13 de maio de 2011

Jogo inesquecível

Todo torcedor tem seu jogo inesquecível, memorável, indelével. Se perguntarmos para algum botafoguense com mais de setenta anos, provavelmente, seu jogo predileto poderia ser a final de 1957 contra o Fluminense. Este jogo, que é até hoje a maior goleada em uma final do campeonato carioca, marcou particularmente o jornalista alvinegro Roberto Porto. Ninguém melhor do que este memorialista do clube da estrela solitária para narrar esta final histórica:

"Paulo "Catimba" Valentim marcou logo o primeiro gol, aos três minutos, num chute prensado contra a grama que enganou Carlos Castilho. O segundo veio logo depois, num centro de Mané Garrincha que Paulo Valentim tocou para as redes com a canela. E o terceiro, amigos, foi novamente de Paulo Valentim, meu inesquecível ídolo, numa bicicleta esquisita que deixou o goleiro tricolor parado no meio do gol.
Eu simplesmente não acreditava naqueles 3 a 0, para o Tricolor bastava o empate. Cheguei a suar frio logo no início do segundo tempo quando Escurinho diminuiu.

Mas o susto passou logo. Didi cobrou uma falta rasteira, Paulo Valentim driblou Pinheiro (que caiu sentado) e fuzilou Castilho: 4 a 1.

Garrincha marcou o quinto gol, no único e escasso lance em que Castilho tentou ir na bola. Por fim, fazendo o diabo pela direita, Garrincha colocou Paulo Valentim na cara do gol.

Dizem, não posso provar, ambos já se foram, que Paulo Valentim chegou a perguntar a Castilho em que canto ele queria a bola. Foi o sexto gol, aos 25 minutos do segundo tempo.

Tomé e Nílton Santos ficaram tão empolgados que rasgaram as camisas no sexto gol (Malcher, o juiz, nem reclamou). No finalzinho, Valdo marcou o segundo gol do Fluminense. Foi só para que a torcida do Glorioso fizesse rima e gritasse:

Foi 6 a 2, no Pó-de-Arroz... foi 6 a 2, no Pó-de-Arroz...

Por isso, por toda essa alegria, esse é o jogo de minha vida."

Ao ler tal narrativa confesso que me bate uma euforia nostálgica. Tenho vinte e nove anos e não vi nenhum jogo da fase áurea do glorioso clube da Estrela Solitária. Conheço Garrincha, Quarentinha, Nilton Santos, Didi folha-seca e Zagallo através das narrativas de meu avô materno Jasiel Guedes Pinto.

Outro tipo de torcedor caracteristico do Botafogo, talvez o mais superticioso e pessimista deles, seja aquele nascido entre as décadas de 1960 e 1970. Este torcedor em particular acompanhou o clube durante sua travessia pelo deserto: perdemos a sede de General Severiano e ganhamos o exílio suburbano de Marechal Hermes na Zona norte do Rio. Como se não bastasse, após a Taça Brasil de 1968 sob o comando de Zagallo não ganhamos nem mais um título. Os melhores resultados foram um vice-campeonato carioca contra o Fluminense em 1971 e o vice-campeonato brasileiro contra o Palmeiras em 1972.

Tenho certeza. Ao perguntarmos para qualquer torcedor desta época seu jogo inesquecível será indiscutivelmente a final do carioca de 1989 contra o rubro-negro.

Nesta época eu tinha 8 anos e estava mais pra souvenir botafoguense do que propriamente um torcedor. Não tenho gravado na memória nenhuma imagem do jogo mas, a alegria retumbante de meu avô materno ficou imortalizada. Gosto da descrição do cineasta João Moreira Salles sobre este título:

"A gente não banaliza a vitória; a vitória é uma coisa muito rara – e, quando ela acontece, eu duvido que alguém sinta a alegria de um botafoguense. A felicidade que eu senti quando o Botafogo foi campeão em 89, depois de 21 anos, eu duvido que algum torcedor de futebol sinta igual. Isso justifica minha paixão pelo time pelo resto da vida, mesmo que ele nunca mais ganhe nada.”
Vamos agora para o tipo de torcedor que marcou minha geração. O torcedor nascido nos anos 80. Ao contrário do tipo de torcedor descrito anteriormente fomos mais felizes. Assistimos ao Bi-campeonato de 1989-90, tivemos a decepção de 1992 com a inexplicável traição de Renato Gaúcho mas que ficou apagada diante da conquista internacional da Conmebol em 1993, o retorno da sede para General Severiano e o título brasileiro de 1995 com o irreverente artilheiro Túlio Maravilha.
Túlio não perdoa Túlio marca!

Apesar de marcantes confesso que nenhum desses jogos me marcou tão profundamente quanto a final do campeonato carioca de 2010. Após três vice-campeonatos, todos perdidos para o Flamengo, estava pessimista. Assisti meu time jogar melhor com o futebol-arte de Maicosuel, as faltas bombásticas de Juninho e os gols de Dodô e mesmo assim amargar como vice-campeão para o clube da beira da lagoa. No ano de 2009 então vi o craque do time ser agredido pelo lateral pigmeu Juan que, após levar um drible desconcertante desferiu um carrinho no tornozelo. Como se não bastasse o baixinho rubro-negro caiu sobre nosso camisa sete proferindo palavras impublicáveis e de cunho racista. Como vocês bem sabem, nem o cartão amarelo ele levou e Maicosuel ficou fora da final do campeonato devido a lesão deste jogo.

Enfim, após ver meu clube jogar melhor, ser ofendido e roubado estava traumatizado. Tinhamos recebido dois reforços estrangeiros: o raçudo argentino Herrera e o carismático Sebastian Loco Abreu. Além disso, Jefferson retornou ao time para proteger a meta alvinegra.

Do outro lado o Flamengo contava com Adriano, Vagner Love, Leo Moura e o sérvio Petkovic.

Herrera cobrou pênalti bem marcado de Ronaldo Angelim em Fábio Ferreira, em lance em que o zagueiro do Flamengo agarrou o do Botafogo numa disputa de bola pelo alto. A cobrança do argentino Herrera foi no meio do gol, e Brunou caiu para o canto direito: 1 a 0.

Aos quarenta e cinco minutos, pouco antes do fim do primeiro tempo o empate. Vagner Love tocou para a rede após rebote de Jefferson em cabeçada de David. Iniciou o pessimismo de todos na sala da casa de meu avô.

Tudo mudou aos 25 minutos. Gutemberg mostrou que não estava ali para fazer vista grossa aos puxões e empurrões na grande área. Maldonado agarrou a camisa de Herrera e o árbitro marcou novo pênalti.. O gol de Loco Abreu foi inesquecível. Fazendo justiça ao apelido, em plena final do campeonato carioca, contra o maior rival alvinegro ele bateu o penalty de cavadinha. O goleiro Bruno (preso mais tarde por ter assassinado sua amante Elisa Samúdio) caiu ao chão antes mesmo que a bola estivesse na metade de sua trajetória. O gol foi em câmera lenta. O momento de beleza e angústia foi tão intenso que a bola ainda bateu no travessão antes de entrar nas traves rubro-negras e consagrar a vitória do Botafogo.
Loco Abreu e o Assassino Bruno

Aos 30, novo pênalti. Agora para o Flamengo, de Fahel em Angelim, outra vez em disputa de bola pelo alto. O atacante Herrera reclamou muito e levou amarelo. Ainda mais irritado, insistiu na reclamação e foi expulso. O sangue portenho ferveu e ele se lançou sobre o árbitro contido pelo lateral Alessandro. Eu chutei o sofá. Não queria nem olhar. O tão sonhado tetra-campeonato do urubu, até então uma exclusividade do Botafogo (único tetra-campeão do Rio), ser conquistado todo nas costas do alvinegro.
Adriano cobrou o pênalti no canto esquerdo. Todos na sala fecharam os olhos e só abriram com meu grito desesperado aos plenos pulmões: "Jeeeeeefferson!!!!!!!!" - que mandou a bola para escanteio.

Aos 49, o árbitro enfim apitou o fim do jogo. Era também o fim do Campeonato Carioca de 2010. O Botafogo, campeão da Taça Guanabara, faturava a Taça Rio e o título estadual. Este foi o primeiro título do Botafogo que eu assisti ao lado de meu amado avô Jasiel Guedes Pinto, alvinegro de oitenta e cinco anos de idade.


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